quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Existirmos, a que será que se destina?

Por André Prado Nunes

Existem treze motivos? Ainda existe ao menos um bom motivo?

Vivemos cada vez mais cercados de prescrições e dicas sobre “bem viver” e mesmo assim, muitos de nós ainda nos sentimos sem rumo, como se algo estivesse faltando, fora do lugar.

O primeiro pensamento parece óbvio: o que há de errado comigo? O que há de errado com o mundo? Pensariam outros.

De qualquer modo, muitos de nós sentimos esse grande descompasso com a vida. Com o tempo passamos a conviver com esse abismo entre nós e o mundo, que dói mais ou menos, dependendo da época e das situações.

Talvez seja possível dizer que há momentos em que esse abismo nos engole. Os dias passam a se arrastar, um após o outro, todos iguais. Fica cada vez mais difícil se levantar. O corpo começa a doer nos mais simples movimentos do dia-a-dia. O pensamento fica disperso, é tarefa de grande esforço fixar a atenção em algo durante muito tempo: uma crise se instalou.

O que antes era familiar e seguro de repente revela-se estranho, inóspito, instável.

Viver torna-se um fardo, nada mais faz sentido. A situação de crise revela exatamente isso: a perda de sentido. E vem acompanhada de grande sofrimento, que pode aparecer de diversas formas. Alguns se mostram num estado de constante desânimo e indiferença, outros, tentando reagir à crise, revelam-se cada vez mais tensos e ansiosos, chegando a ter crises de ansiedade (pânico).

Perder o sentido significa perder a si mesmo, perder a importância de sonhos e projetos pelos quais se tem batalhado tão arduamente; morrer em vida.  Não é à toa que, muitos de nós, nessa situação, chegamos a pensar em terminar com a própria vida.

“Cajuína”, bela canção de Caetano Veloso, dispara logo no primeiro verso: “Existirmos, a que será que se destina?” Dar-se conta da própria existência fatalmente nos leva a questionar o sentido da mesma. Ou até a ausência de sentido. Isso porque, embora existir demande por sentido, este pode se perder, nunca é completo e se modifica ao longo da vida.

A música, de acordo com o próprio autor, se refere a um antigo amigo que se matou. Diante de tal ato extremo, resta aos que ficaram, atônitos, a pergunta sobre o sentido da existência.

Os versos que se seguem a pergunta inicial da canção não entregam uma resposta. Ao invés disso, o autor debruça-se sensível e contemplativo sobre a “matéria-vida”, desvelando em belas imagens a vida que ainda pulsa em sua gratuidade. Seria esse já um possível responder?

Também aqui não pretendemos dar uma resposta, mas antes fazer um convite para o pensar.
Uma situação de crise revela a dolorosa perda de sentido. Mas a crise também pode se referir a abertura de possibilidades, novas destinações.

Antes, porém, é preciso reconhecer o descompasso com a vida. E neste descompasso perceber que muitas fórmulas e manuais nos são dados sobre o bom viver desde a infância, mas que eles pouco respondem aos desejos, medos e perguntas que nós fazemos sobre nós mesmos.

Além do mais, vivemos em um mundo no qual muitos de nós estamos tal qual o mito de Sísifo: condenados a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra até o topo de uma montanha, sendo que, toda vez que se está quase alcançando o topo, a pedra rola novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido.

É bom saber também que nem sempre é fácil desbravar esses caminhos sem ter alguém com quem conversar. As nossas respostas já estão viciadas, e os amigos, embora prestativos, muitas vezes estão enredados em seus próprios problemas.


O convite para o pensar pode se encerrar da seguinte forma: e se a gente pudesse se pensar como um enigma?

Veja mais em:
https://www.youtube.com/watch?v=Uk45bqgRhGI

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto André! Agora gostaria de ver uma produção sua, onde vc possa nos orientar com algumas dicas para manter o bem estar emocional/mental .

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