quarta-feira, 9 de março de 2016

Série: Perdi o compasso, como é mesmo que se dança? “O mundo é Bom”

“O mundo é Bom”

Daniela Abarca, Psicóloga e Coach, mãe da Malu e da Nina

Olá pessoal, em uma curta série de pequenos textos - a qual nomeei “Perdi o compasso, como é mesmo que se dança?” -  pretendo compartilhar com vocês como a antroposofia, linha filosófica fundada por Rudolf Steiner em meados da década de 1890, enxerga o desenvolvimento humano através das fases da vida, conceitos expostos no livro Fases da Vida de Bernard Lievegoed (1905-1992).

A antroposofia prega que o desenvolvimento humano é naturalmente ritmado. No entanto, sua plenitude só ocorrerá se o levarmos conscientemente até o fim, o que significa empreendermos ao longo da vida uma busca também pelo desenvolvimento interior através do nosso pensar, do sentir e do querer.

Lievegoed1 aponta que o caminho da vida é percorrido por três diferentes vias: a biológica, a psicológica e a espiritual. No texto de hoje quero abordar a primeira, mais especificamente a importância da primeira infância – até os 7 anos de vida, e os reveses que vamos adquirindo ao atropelarmos este fluxo.

Vale lembrar que é na primeira infância que estamos abertos às impressões externas e ao aprendizado pela imitação. Desta forma, Lievegoed1 afirma que os principais elementos que devemos dar à criança são os sentidos de autoconfiança, de convicção e segurança.

A autoconfiança e convicção vêm de uma vida rítmica e da consistência nos encontros com o outro. Já a segurança vem do amor caloroso de seu ambiente. Em outras palavras, à criança deve ser dado um sentido básico de que o mundo é bom.

Lievegoed1 fala da importância da vida rítmica neste processo, um elemento importante para o desenvolvimento da confiança e posteriormente da autoconfiança. A criança deve ter, desde seus primeiros meses de vida, uma rotina estabelecida: a hora de despertar, de se alimentar, de brincar, de tomar banho. A repetição do ritual irá aos poucos estabelecendo confiança na relação com o adulto, e ela vai percebendo naturalmente que há um ciclo, já espera e já sabe o que virá depois.

Embora seja difícil estabelecer rotinas em meio a tantas exigências atuais, o esforço vale a pena. No mundo real, este papel nem sempre pode ser cumprido pela mãe ou pelo pai, ou, ainda, sempre pela mesma pessoa. O importante é prezar pela realização do ritual. Posteriormente, na vida adulta, nossa facilidade ou dificuldade em lidar com compromissos, nossa tendência à organização e planejamento advém desta fase.

É também no ambiente familiar que vivemos nosso primeiro campo de provas. O sentimento de ser bem-vindo é essencial ao ser humano e fundamental ao seu desenvolvimento. Um bebê expressa com naturalidade suas necessidades de alimento, calor, proteção. É a saciedade destes desejos o ponto de partida para a sua segurança. Mais tarde, é ainda no terreno familiar que exercitamos a aceitação, que somos apresentados às normas sociais, aos valores, às crenças, e à tão importante censura.

A ausência de autoconfiança, o sentimento de insuficiência, ou ainda de menor valia presentes em tantos de nós podem ter raízes nesta época. A falta do cuidado – cuidado que também pode ser um tipo de manifestação de amor – e de afeto traz o sentimento de insegurança e desproteção, como se alguma expectativa, que nem sabemos ao certo qual é, ficasse em aberto.

Aqui também temos uma face da patologia social que estamos vivendo, sobretudo a pressão para que, desde cedo, nossas crianças sejam “crianças de sucesso”: inteligentes, bonitas, saudáveis, alegres, exemplares em seu desempenho escolar. Patologia que deflagra a necessidade de nós - adultos, pais, professores e a quem mais couber - de conter nossas próprias expectativas, os sonhos ainda não concretizados e deixar livres as crianças a fim de que possam descobrir a si mesmas e se tornar tudo aquilo que seu potencial lhes reserva.


1 Lievegoed,Bernard; Fases da Vida, crises e desenvolvimento da individualidade; 3ª. Ed; São Paulo; Antroposófica, 1994.

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